quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Bancos de cordão umbilical

Eu fiz uma série de reportagens sobre células-tronco. Falei da importância de se cadastrar como doador de medula óssea (aproveitei e me cadastrei, tomara que eu seja chamada para doar um dia...). Uma das matérias abordou especificamente o sangue de cordão umbilical. Achei interessante compartilhar com vocês, o posicionamento de cientistas sobre esses bancos particulares...
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O sangue presente no cordão umbilical é uma rica fonte de células-tronco. É utilizado para tratamento de dezenas de doenças, como leucemias e anemias graves, por exemplo. Devido às suas características, o sangue do cordão pode ser transplantado sem a necessidade de uma completa compatibilidade entre o paciente e o doador. Em 2001, foi inaugurado, no Instituto Nacional do Câncer (INCA), o primeiro banco de sangue de cordão umbilical público no Brasil. Hoje, há 4 bancos desse tipo, funcionando nas cidades de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro, que formam a rede Brasilcord. Luís Fernando Bouzas, diretor do centro de transplante de medula óssea e Coordenador Médico do Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário, do Inca, diz que, até 2011, mais oito unidades serão construídas no Pará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará, Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais e Distrito Federal. A intenção é armazenar cerca de 50 mil cordões, número considerado ideal para, somando-se aos doadores voluntários de medula óssea, suprir a demanda de transplantes desse tipo no Brasil. Dr. Bouzas explica que, nas maternidades conveniadas aos bancos, existem equipes treinadas que colhem o sangue de cordão umbilical na hora do parto, nas mulheres que preenchem alguns requisitos. A mãe deve ter entre 18 e 36 anos e estar com idade gestacional acima de 35 semanas no momento do parto. Além disso, não pode ter tido algumas doenças, entre elas o câncer. Mayana Zatz, Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP e uma das maiores especialistas em células-tronco do Brasil, reforça a importância do sangue do cordão umbilical, e cita uma pesquisa que apontou a importância também do próprio cordão.

"Existe um tipo de célula que a gente chama de mesenquimal, que é uma célula-tronco adulta, mas que tem o potencial de formar vários tecidos, como tecido ósseo, muscular, adiposo, cartilagem, e essas células mesenquimais estão em grande quantidade no cordão umbilical. No cordão, não no sangue do cordão. E esse é um dado muito importante e nós chamamos atenção para isso, porque os bancos de cordão guardam o sangue e descartam o cordão. Então eles estão descartando a fonte mais rica de células tronco."

O diretor do Brasilcord, Luís Fernando Bouzas, reconhece o valor do cordão umbilical em si, mas diz que armazená-lo demandaria uma estrutura que o Brasil não tem, no momento. Desde a sua criação, a Rede BrasilCord já disponibilizou 56 unidades de cordão para transplante.

Além dos bancos públicos de cordão umbilical, existem bancos em que os pais pagam cerca de 3.500 reais para armazenar o sangue de cordão dos filhos. E uma taxa anual de cerca de 500 reais para mantê-los. São os bancos particulares de cordão umbilical, que prometem a cura no caso de aparecer alguma doença no futuro, como leucemia. A geneticista Mayana Zatz, uma das maiores especialistas em células-tronco do Brasil, defende os bancos públicos de sangue de cordão umbilical, mas não concorda com a existência de bancos particulares. Para ela, quem paga para armazenar sangue de cordão umbilical num banco particular, está apostando em algo que ainda não tem embasamento científico.

"HOje a gente sabe que o sangue do cordão é muito importante para corrigir leucemias, e doenças sanguíneas que são todas muito raras. Agora, se teu filho tiver uma leucemia daqui a 20, 30 anos, não se recomenda usar o sangue da própria pessoa, porque imagina-se que ela já tenha uma suscetibilidade para desenvolver uma leucemia. Se for um adulto, um cordão só não é suficiente, um cordão só serve para pessoas até 50kg. Eu tinha feito uma conta, o preço que você paga da coleta e para manter todo ano, se você, em 20 anos, aplicasse numa renda que desse 10% ao ano, você teria mais de 60 mil reais, em mais de 20 anos, e que hoje é necessário para comprar um cordão, dois, em qualquer lugar do mundo, se for necessário."

O diretor do centro de transplante de medula óssea e Coordenador Médico do Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário, do INCA, Luís Fernando Bouzas, também é contra a existência de bancos privados de sangue de cordão umbilical. Dr. Bouzas diz que, no resto do mundo, também existe resistência a bancos privados, inclusive países como Espanha e França proíbem esse tipo de banco.

"Porque não existe suporte científico para você dizer para as famílias que esse sangue vai ser utilizado para alguma coisa no futuro, neste momento. Agora, se a pessoa faz questão de guardar, entende que isto é uma aposta no futuro, que a ciência pode descobrir uma utilidade para isso, aí é um outro problema. Mas nesse momento, a gente não tem justificativa para armazenar esse material e pagar por esse armazenamento, ainda mais que nós estamos com uma rede pública em desenvolvimento, que vai superar as necessidades da população em termos de fornecer o material. Já estamos associando o Brasil na rede internacional, se a gente não encontrar o material aqui, podemos buscar em qualquer parte do mundo, o governo paga por isso".

Nelson Tatsui, responsável Técnico de uma empresa privada que armazena sangue de cordão umbilical, explica que o sangue de cordão umbilical armazenado vai ser utilizado única e exclusivamente pelo bebê de onde se retirou o material. Dr. Tatsui explica que, mesmo que a pessoa não more na cidade da empresa, o sangue pode ser coletado por uma equipe em qualquer lugar do Brasil. Ele reconhece que o sangue de cordão umbilical não pode ser utilizado em transplantes autólogos, ou seja, para a própria pessoa, em alguns tipos de doença.

"Nunca deve passar para os pais que a doença é algo comum e que o sangue de cordão seja algo salvador em todos os casos. Quem faz isso, obviamente, está exagerando comercialmente. Tecnicamente o sangue de cordão umbilical tem indicações bastante específicas, até norteadas pelo Ministério da Saúde, há alguns tipos de doenças em que a opção de usar a própria célula-tronco tem resposta menor que usar de alguém que não seja a própria pessoa."

Nelson Tatsui lembra, entretanto, das dificuldades de se encontrar alguém compatível, por isso, a aposta na possibilidade de usar a própria célula tronco, como no transplante de cordão umbilical. Os bancos de cordão umbilical particulares esbarram num grande problema: hoje, o sangue de um único cordão é suficiente apenas para pacientes abaixo de 40kg. Para superar essa dificuldade, dr. Tatsui explica que vários grupos de cientistas pesquisam a expansão celular. A aposta das empresas é que, quando os bebês que tiveram seu sangue coletado se tornarem adultos, ou atingirem 40kg, a questão da expansão celular já vai estar resolvida cientificamente. E por quanto tempo o sangue de cordão umbilical vai estar potente para ser utilizado num transplante? Não existe resposta para isso na literatura médica mundial, mas estão sendo realizados estudos para avaliar esse tempo. O cordão umbilical mais antigo já utilizado tinha 5 anos de armazenamento, diz Nelson Tatsui.

"Hoje, como a maioria dos estudos atingem já 20 anos de armazenamento, todos dizem que o tempo de viabilidade é no mínimo 20 anos. A minha preocupação como hematologista é o tempo de potência de fazer um transplante seguro, e o número de células possível... Porque uma coisa é ter uma célula viva, outra coisa é ela ser potente para transplante."

A médica pneumologista Renata Ferreira Dirceu congelou numa clínica particular o sangue do cordão umbilical de seus dois filhos, um de 5, outro de 2 anos. Ela diz que pesquisou bastante antes de tomar essa decisão, e aposta na expansão celular, que vai permitir, no futuro, que um adulto utilize hoje seu próprio sangue de cordão. Renata diz que na época do nascimento dos filhos, não havia histórico de doenças na família, mas depois disso, seu pai teve leucemia.

"Foi uma decisão bem acertada mesmo, porque eu não tinha história na família, resolvi coletar porque era uma coisa muito importante, é uma garantia, quase, para os filhos, que a gente deixa."

O Ministério da Saúde e a coordenação da Rede Brasilcord são contrários aos bancos de sangue particulares. Os órgãos internacionais recomendam que não deve ser feito investimento público em bancos privados.
Adriana Magalhães, para a Rádio Câmara.

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